A psicologia social surgiu no século XX como uma área de aplicação da psicologia para estabelecer uma ponte entre a psicologia e as ciências sociais (sociologia, antropologia, geografia, história, ciência política). Sua formação acompanhou os movimentos ideológicos e conflitos do século, a ascensão do nazi-fascismo, as grandes guerras, a luta do capitalismo contra o socialismo, etc. O seu objeto de estudo é o comportamento dos indivíduos quando estão em interação, o que ainda hoje, é controverso e aparentemente redundante pois como se diz desde muito: o homem é um animal social.

Mesmo antes de estabelecer-se como psicologia social as questões sobre o que é inato e o que é adquirido no homem permeavam a filosofia mais especificamente como questões sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade, (pré-científicas segundo alguns autores) avaliando como as disposições psicológicas individuais produzem as instituições sociais ou como as condições sociais influem o comportamento dos indivíduos. Segundo Jean Piaget (1970) é tarefa dessa disciplina conhecer o patrimônio psicológico hereditário da espécie e investigar a natureza e extensão das influencia sociais.

Enquanto área de aplicação distingue-se por tomar como objetos as massas ou multidões associada à prática jurídica de legislar sobre os processos fenômenos coletivos como linchamento, racismo, homofobia, fanatismo, terrorismo ou utilização por profissionais do marketing e propaganda (inclusive política) e associada aos especialistas em dinâmica de grupo e instituições atuando nas empresas, coletividades ou mesmo na clínica (terapia de grupos). Nessa perspectiva poderemos estabelecer uma sinonímia ou equivalência entre as diversas psicologias que nos apresentam como sociais: comunitária, institucional, dos povos (etnopsicologia) das multidões, dos grupos, comparada (incluindo a sociobiologia), etc.

Segundo Aroldo Rodrigues, um dos primeiros psicólogos brasileiros a escrever sobre o tema, a psicologia social é uma ciência básica que tem como objeto o estudo das "manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação". A influência dos fatores situacionais no comportamento do indivíduo frente aos estímulos sociais. (Rodrigues , 1981)

O que precisa ser esclarecido para entender a relação do “social” com a psicologia, quer concebida como ciência da mente (psique) quer como ciência do comportamento é como esse “social” pode ser pensado e compreendido desde o caráter assistencialista ou gestão racional da indigência na idade média até emergência das concepções democráticas ciências humanas no século XX passando pela formulação das questões sociais em especial os ideais de liberdade e igualdade no século das luzes e os direitos humanos.

 

Categorias fundamentais da Psicologia Social

 

A Psicologia Social - é a ciência que procura compreender os “como” e “porquês” do comportamento social. A interação social, a interdependência entre os indivíduos e o encontro social. Seu campo de ação é portanto o comportamento analisado em todos os contextos do processo de influência social. Uma pesquisa nos manuais de ensino e ementas das diversas universidades nos remetem à:

- interacção pessoa/pessoa;

- interacção pessoa/grupo (os grupos sociais)

- interacção grupo/grupo. (enfoques nacionais, regionais e locais)

Estuda as relações interpessoais:

- influências;

- conflitos; comportamento divergente

- autoridade, hierarquias, poder;

- o pai, a mãe e a família em distintos períodos históricos e culturas

- a violência doméstica, contra o idoso, a mulher e a criança

Investiga os factores psicológicos da vida social:

- sistemas motivacionais (instinto);

- estatuto (status) social;

- liderança;

- estereótipos (estigma);

- alienação;

- Identidade, valores éticos;

Teoria das representações sociais, a Produção de Sentido, Hegemonia Dialética Exclusão /Inclusão Social

Analisa os factores sociais da Psicologia Humana

- motivação;

- o processo de socialização

- as atitudes, as mudanças de atitudes;

- opiniões / Ideologia, moral;

- preconceitos;

- papéis sociais

- estilo de vida (way of life - modo ou gênero de vida)

Naturalmente a subdivisão dos temas acima enumerados é apenas didática os mesmos estão intrinsecamente relacionados. Observe-se também que muitos desses temas e conceitos foram desenvolvidos ou são também abordados por outras disciplinas (e inter-disciplinas) científicas seja das ciências sociais ou biológicas, cabe ao pesquisador na sua aproximação do problema ou delineamento da pesquisa estabelecer os limites e marco teórico de sua interpretação de resultados. Pode-se ainda dar um destaque aos temas:

Agressão humana (violência)

Trabalho e Ação Social

Relações de Gênero, Raça e Idade

Psicologia das Classes Sociais – Relações de Poder

Questões sócio-políticas

Dinâmica dos Movimentos Sociais

As Multidões ou Massas

Saúde mental e justiça: interfaces contemporâneas,

Efeitos dos diferentes tipos de liderança: Os diferentes tipos de liderança provocam diferentes efeitos, quer ao nível da produtividade do grupo, quer ao nível da satisfação dos membros do grupo.

 

Histórico

Em 1895, o cientista social francês Gustave Le Bon (1841-1931) apresentou, em seu pioneiro trabalho sobre a Psicologia das Multidões, a proposição básica para o entendimento de uma psicologia social: sejam quais forem os indivíduos que compõem um grupo, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seus modos de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo, coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os fazem sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento [9: p. 18]. Essa proposição e os argumentos de Le Bon para justificá-la, serviu de parâmetro para o estudo sobre Psicologia de Grupo publicado por Sigmund Freud em 1921.

A questão teórica de Le Bon, com quem Freud dialogou era "massa", não "grupo". Um problema de tradução entre o alemão e o inglês fez com que surgisse o termo "grupo" em Freud, embora não haja evidências de que o mesmo tenha se preocupado com esta questão. Contudo essa categoria de explicação é retomada em diversos dissidentes da psicanálise como Carl Gustav Jung (1875-1961) que introduziu o conceito inconsciente coletivo - o substrato ancestral e universal da psique humana, e surpreendeu o mundo com sua célebre interpretação do fenômeno dos discos voadores como um mito moderno e Wilhelm Reich com sua análise da anomia (Escutas a Zé Ninguém) e governos totalitários (Psicologia das Massas e do Fascismo). A psicanálise dos governantes ou relação entre a psique individual e a cultura ou civilização por sua vez é um tema frequente na obra de Freud e outros psicanalistas (E. Eriksom, E. Fromm etc.) que estudam a relação dessa ciência com a antropologia.

A relação entre a etnologia e psicologia é especialmente fecunda, inúmeros etnólogos investigaram e tomaram como ponto de partida das suas pesquisas as teorias picanalíticas e psicológicas a exemplo de Ruth Benedict Margaret Mead Malinowski Lévi-Strauss.

Por outro lado observa-se também que psicologia desenvolveu sua notoriedade como disciplina científica ao afirma-se como uma ciência natural em oposição às ciências sociais ou humanas nos finais do século XIX. Crente na impossibilidade teórica da mente voltar-se sobre- se mesmo como sujeito objeto de pesquisa Wilhelm Wundt (1832-1920) propôs a psicologia como um novo domínio da ciência em 1874 no seu livro Princípios de Psicologia Fisiológica e a criação de um laboratório de psicologia experimental (1879) em Leipzig. Esse mesmo autor contudo suponha ser necessários estudos complementares voltados ao estudo da mente em suas manifestações externas, a sua Völkerpsychologie - Psicologia dos povos / social ou cultural (10 volumes) escritos entre 1900 e 1920 com análises detalhadas da língua e cultura. Três dos volumes são dedicados aos mitos e religião; dois à linguagem (hoje seria considerados como psicologia lingüística); dois à sociedade e um à cultura e história (a psicologia social de hoje); um a lei (hoje a psicologia forense ou jurídica) e um à arte (um tópico que abrange as modernas concepções de inteligência e criatividade).

Tal aspecto de sua obra vem sendo recuperada por sua aplicação e semelhança com os modernos estudos de psicologia cognitiva. Segundo Farr é possível perceber o desenvolvimento posterior das ideias de Wundt na psicologia social de G. H Mead e Herbert Blumer, os criadores do interacionismo simbólico na Universidade de Chicago e Vygotsky na Rússia.

O grupo como objeto de estudos ganhou densidade na psicologia social durante a segunda guerra mundial, com Kurt Lewin (1890-1947), considerado por muitos autores como fundador da psicologia social. Contemporâneo dos fundadores da psicologia da gestalt e integrante dessa teoria esse autor radicou-se nos Estados Unidos a partir de 1933 onde chefiou no MIT Massachusetts Instituto de Tecnologia o Centro de Pesquisa de Dinâmica de Grupo junto com uma série de autores que desenvolveram a escola americana de psicologia social a exemplo de D. Cartwright que assumiu a direção do instituto após a sua morte e Leon Festinger (1919-1979) que desenvolveu a teoria da dissonância cognitiva explorando o desconforto da contradição dos conflitos e estado de consistência interna ainda hoje referência para os estudos de valores éticos em psicologia social.

A Dinâmica de Grupo ou ciência dos pequenos grupos, é para alguns autores o objeto e método da psicologia social, limita-se porém ao estudo empírico da interação dentro dos grupos. Sendo porém relevantes as suas contribuições sobre a estrutura grupal, os estilos de liderança, os conflitos e motivações, espaço vital ou o campo de forças que determinam a conduta humana possuem diversas aplicações e entre elas a psicologia infantil e a modificação de comportamentos seja para benefícios dietéticos (estudos de pesquisa – ação realizados com Margareth Mead) seja para melhor a produtividade e desempenho nos ambientes de trabalho.

Na escola americana de psicologia social cabe ainda um destaque para William McDougall (1871-1938). Esse autor, britânico que viveu 24 anos na América, foi um dos primeiros a utilizar o nome de psicologia social (1908) e comportamento (behavior) e representa a tendência evolucionista americana, pós efeito da teoria da evolução de Darwin que veio a reforçar a tendência aos estudos de psicologia comparada e da abordagem comportamental apesar da diferença essencial entre as proposições quanto utilização do conceito de “instinto” como categoria explicativa aproximando-se portanto de um corrente representada por S. Freud e G. H. Mead.

George Hebert Mead (1863-1931) inserido no pragmatismo James (1842-1910) Peirce (1839-1931) e Dewey (1859-1952) americano o criador da teoria do interacionismo simbólico em seu curso de psicologia social da Universidade de Chicago do qual nos deixou o livro construído a partir de anotações de sues alunos Mind Self and Society é bem melhor compreendido por sociólogos do que por psicólogos. Essa relação com a sociologia não vem só do fato de seu curso e teoria ter sido continuado por um sociólogo Herbert Blumer e sua rejeição no contexto do paradigma behaviorista mas por que os conceitos de ato, ação e ator social são essencialmente úteis ao entendimento das políticas públicas e intervenções sociais. Sua importância vem sendo reconhecida em nossos dias pela influência da sua teoria nos estudos e proposições Erving Goffman autor de Prisões manicômios e conventos, um livro fundamental no processo de transformação do tratamento psiquiátrico (reforma psiquiátrica) e luta anti-manicomial em nossos dias.

A psicologia social rompe com a oposição entre o indivíduo e a sociedade, enquanto objectos dicotómicos que se auto-excluem, procurando analisar as relações entre indivíduos (interacções), as relações entre categorias ou grupos sociais (relações intergrupais) e as relações entre o simbólico e a cognição (representações sociais).Assim, apresenta como objecto de estudo os indivíduos em contexto, sendo que as explicações são efectuadas tendo em conta quatro níveis de análise: nível intra-individual (o indivíduo), o nível inter-individual e situacional (interacções entre os indivíduos ou contexto), o nível posicional (posição que o indivíduo ocupa na rede das relações sociais), e o nível ideológico (crenças, valores e normas colectivas). Pepitone, A. (1981). Lessons from the history of social psychology. American Psychologist, 36, 9, 972-985. Silva, A. & Pinto, J. (1986). Uma visão global sobre as ciências sociais. In Silva, A. & Pinto, J. (Coords.), Metodologia das Ciências Sociais (pp. 9–27). Porto: Edições Afrontamento.